Mostrar Aviso

AVC: pacientes podem minimizar sequelas da doença

Quem passou por um AVC hemorrágico ou por um AVC isquêmico precisa invariavelmente conviver com as sequelas decorrentes deste quadro clínico. Elas são as consequências das lesões sofridas pelo cérebro em função do AVC. “O derrame cerebral acontece quando as células do cérebro não recebem irrigação de sangue suficiente ou quando uma hemorragia atinge essas células, afetando diversos processos do nosso corpo”, explica o neurologista André Felicio, de São Paulo. “Quando os mecanismos compensatórios não são suficientes para suprir a morte dos neurônios e as células do entorno não são capazes de assumir as funções deficientes, ocorre a sequela.”

A recuperação após o AVC vai depender de fatores como a área afetada e o tamanho da lesão. “Nós nunca trabalhamos com a cura total de uma sequela, mas sim com a reabilitação, de forma que paciente se torne independente para realizar suas atividades sozinho da forma que for”, declara o fisiatra Sílvio Oliveira, especialista em atendimento a pacientes que sofreram AVC, da Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação. Quando se trata de um derrame, é importante ter em mente que a recuperação do paciente tem um limite, nunca será 100% – mas é possível estimulá-lo para que fique cada vez mais próximo da normalidade. Veja a lista das sequelas mais comuns após um AVC e como tratar cada dificuldade:

Paralisias

A área mais afetada pelo AVC é aquela responsável pelos movimentos do nosso corpo, sendo o lado esquerdo do cérebro responsável pelos movimentos do lado direito e vice-versa. Por isso, é comum os pacientes passarem os primeiros dias após o AVC com um dos lados do corpo paralisados, e mesmo com a recuperação alguns têm a movimentação limitada. “É importante ter em mente que esses danos melhoram com o tempo, e é importante o estímulo para ter uma melhora ainda mais rápida”, afirma o neurologista João José Freitas de Carvalho, da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e chefe da Unidade de AVC do Hospital Geral de Fortaleza. Pensando nisso, é essencial que o paciente não passe todo o tempo deitado, mesmo em sua estadia no hospital. “Durante a internação é preciso ter cuidado com as posturas do paciente, com a orientação de um fisioterapeuta, e cuidar para que ele se movimente”, explica o fisiatra Sílvio Oliveira, especialista em atendimento a pacientes que sofreram AVC da Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação.

Quando o paciente não correr mais risco de vida e receber alta no hospital, é essencial reinseri-lo em atividades que eram próprias de seu cotidiano, a fim de que ele possa trabalhar suas habilidades motoras com algo que seja familiar. “Trabalhar com movimentos que são mais fáceis de ser acionados pela memória do indivíduo acelera o processo de recuperação”, diz a terapeuta ocupacional Carolina Vasconcelos, coordenadora da Terapia Ocupacional da Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR).

A prática de exercícios também é uma forma de estimular os movimentos do paciente, recuperando a paralisia. “Se o paciente não se mexe, vai precisar de exercício passivo (quando algum profissional movimenta o indivíduo) e treino de equilíbrio, caso o paciente não consiga manter a postura sozinho”, afirma o fisiatra Sílvio. Caso ele consiga se movimentar, a orientação é fazer exercícios aeróbicos, com o acompanhamento de um profissional. O paciente nunca pode parar de fazer exercício, mesmo em casa, afirma o fisiatra Sílvio. “Se ele consegue fazer algum nível de exercício sozinho, ele é orientado a fazer, seja com adaptações, dentro da água ou até mesmo na academia.”

Déficit sensitivo

A perda de sensibilidade do lado afetado pelo AVC acontece quando a área do encéfalo responsável por interpretar a sensibilidade é lesada. “Como as outras sequelas, a alteração da sensibilidade pode sim melhorar com o tempo”, diz a neurologista Gisele Sampaio Silva, do Programa Integrado de Neurologia do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Segundo a especialista, grande parte da melhora acontece no primeiro ano após o evento, mas nada impede que elas continuem acontecendo. “Uma atividade que pode ajudar na recuperação da sensibilidade é expor a área afetada a diferentes materiais, como esponjas, papéis, madeira, lixas ásperas e etc”, explica o neurologista André Felicio, de São Paulo.

Afasia

Quando o AVC ocorre na área do cérebro correspondente à linguagem, é comum o paciente sofrer com a afasia, a perda da comunicação, que pode ser a fala ou o entendimento de uma mensagem. Segundo o neurologista André, ela pode ser dividida basicamente em dois grandes grupos: afasia de expressão (quando o paciente entende o que você fala, mas é incapaz de se expressar pela linguagem falada) e de compreensão (quando ele consegue se expressar de todas as formas, mas não entende o que lhe é dito). Caso a dificuldade esteja em se expressar, é fundamental o trabalho do fonoaudiólogo. “São feitos exercícios específicos para cada pessoa, de acordo com o grau da sequela, que vão desde exercitar a mímica facial até novas formas de linguagem e exercício da cognição”, ressalta a fonoaudióloga Arminda Sarpa, chefe do setor de Fonoaudiologia da ABBR. Com esse acompanhamento, é possível até mesmo que uma pessoa que não conseguia dizer nada, reaprenda algumas palavras. Durante esse processo, enquanto a vítima do AVC ainda não consegue se comunicar pela fala ou escrita, podem ser combinados códigos, como mímicas ou acenos de cabeça.

No caso de uma afasia no grupo da compreensão, é importante que a família e o cuidador fiquem atentos aos sinais que ela pode apresentar, pois é muito difícil reconhecer essa dificuldade. No geral, a pessoa não responderá suas perguntas de forma adequada, e falará sobre assuntos que não estão sendo discutidos no momento. Isso, no entanto, não quer dizer que o paciente está com alguma demência – ele entende perfeitamente o que está acontecendo à volta dele, só não consegue decodificar as mensagens que lhe são ditas ou escritas. “Essa situação tem recuperação progressiva, e o melhor a fazer é entender que o paciente não tem consciência disso e esperar que as ligações cognitivas se recomponham adequadamente”, diz o neurologista André. Entretanto, ainda que o cérebro gradativamente se recomponha, no geral essa recuperação não é completa.

Apraxias

Além da dificuldade na fala, um paciente de AVC com apraxia perde a capacidade de se expressar por gestos e mímicas e de realizar tarefas motoras em sequências. Por exemplo: a pessoa sabe o que é uma chave e sabe o que é uma fechadura, mas simplesmente não consegue ligar uma coisa na outra, realizando o ato de inserir a chave na fechadura. É uma sequência que a pessoa não sabe mais fazer. “Ela não consegue ligar as áreas do cérebro responsáveis por seguir os passos, como pegar a chave, colocar na fechadura, girar a chave e etc”, explica o neurologista André. Outro exemplo de apraxias é a incapacidade de fazer gestos que tenham um significado pré-definido, como o sinal de silêncio, acenar para dar oi ou levantar o polegar em sinal positivo.

De acordo com o fisiatra Sílvio, nesses casos o paciente precisa reaprender a fazer esses processos. Ele afirma que é preciso tornar consciente um conjunto de movimentos que antes eram automáticos. “Um exemplo é ato de andar, que passa a ser levantar o pé, dobrar o joelho, impulsionar o corpo, balançar os braços para manter o equilíbrio, colocar o pé para frente e assim sucessivamente”, explica. É necessário ensinar novamente essa sequência de movimentos, que deve ser lembrada e exercitada.

Negligência

Como diz o nome, essa sequela diz respeito ao paciente que negligencia uma parte ou um lado se seu corpo – a intensidade do problema dependerá do tamanho da lesão. “Ela se caracteriza por uma falta de percepção da metade afetada do corpo, como se aquele segmento não pertencesse à pessoa”, afirma o neurologista João. É uma sequela muito grave, mas que normalmente desaparece depois dos três primeiros meses. Os quadros de negligência podem ser de três tipos – motor, visual e sensitivo. Ou seja, o indivíduo consegue se movimentar, enxergar ou sentir as coisas, mas o cérebro não processa essas possibilidades. “A negligência é muito trabalhada na terapia ocupacional, no sentido de tentar dar uma função a um membro que está negligenciado, fazer atividades que chamem a atenção para o lado afetado”, diz a terapeuta ocupacional Carolina.

Agnosia visual

“Entende-se por agnosia visual a incapacidade da pessoa de reconhecer objetos e pessoas através da visão, apesar de essa não ter sido comprometida”, diz a neurologista Gisele. Dependendo do grau da lesão, a pessoa pode inclusive não reconhecer mais rostos. É importante exercitar esse lado do paciente, apresentando-o para novos objetos, sempre com muita paciência – uma tática é começar por objetos que faziam parte do cotidiano do paciente antes do AVC. Essa é uma lesão que também tende a melhorar com o tempo, não sendo possível fazer muito para acelerar o processo.

Déficit de memória

A perda de memória normalmente é déficit secundário, inserido dentro de um contexto de outras perdas. O sintoma de déficit de memória dependerá da área do cérebro afetada, mas no geral a pessoa perde a capacidade de lembrar eventos recentes, recordando apenas episódios passados. “Recursos como jogos de memória são muito utilizados em pacientes com essa sequela, procurando sempre inserir elementos comuns de seu cotidiano”, diz a terapeuta ocupacional Carolina. “Um cozinheiro, por exemplo, terá sua memória estimulada com objetos e situações típicos da sua área.”

Lesões no tronco cerebral

Segundo a neurologista Gisele, o tronco cerebral é parte do encéfalo que pode ser acometida em pacientes com AVC. “É nesse ponto que estão localizados centros responsáveis por atividades vitais, como a respiração”, alerta a especialista. Lesões no tronco cerebral podem deixar sequelas graves e até mesmo levar à morte – a gravidade dependerá da extensão da lesão. Pacientes com esse tipo de sequela podem apresentar também paralisia nos dois lados do corpo, estrabismo e dificuldades para engolir – cada ponto sendo tratado por sua especialidade específica.

Alterações comportamentais

Ocasionados por uma lesão na parte frontal do cérebro, as alterações comportamentais são comuns em vítimas de AVC. O indivíduo geralmente passa por quadros de agitação e quadro de apatia, passando por sintomas como perda de iniciativa ou explosões de raiva sem causa aparente. “Os cuidadores devem buscar orientação medica, pois em alguns casos pode ser necessário que o paciente seja medicado”, explica a neurologista Gisele.

Depressão e estresse

“Até 30% dos pacientes com AVC, principalmente aqueles que sofreram lesão no hemisfério esquerdo do cérebro, podem desenvolver a depressão pós-AVC”, explica o neurologista André. Ele conta que a doença funciona exatamente como a depressão comum, mas há uma janela de tempo que liga esses sintomas ao AVC. Os sintomas são iguais aos da depressão comum ? tristeza, apatia, sono inadequado, transtornos alimentares, entre outros – e pede um tratamento especializado com um psicólogo ou psiquiatra. O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) também é comum em pessoas que sofreram a doença, como aponta uma pesquisa feita pela Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. O trabalho mostrou que quase um para cada quatro pacientes de AVC sofrem de estresse pós-traumático, e um em cada nove pacientes desenvolve TEPT crônico mais de um ano depois. Sintomas que ajudam a identificar o problema são pesadelos persistentes e tendência do paciente a evitar lembranças do evento, bem como frequência cardíaca e pressão arterial elevadas.

Fonte: http://www.minhavida.com.br/saude/galerias/16580-avc-pacientes-podem-minimizar-sequelas-da-doenca